quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Aos meus avós

Resisti muito a escrever este post, apesar de morrer de vontade de o fazer. Entre muitas razões porque sabia que começaria e acabaria da mesma maneira, lavada em lágrimas, a fungar e rodeada de um monte de lenços descartáveis.

Só de pensar em começar a escrevê-lo me deixava com os olhos húmidos, mas decidi que "não era homem, não era nada" se não ganhasse coragem e deixasse as palavras escorregarem do coração para os dedos.

O título não deixa dúvidas, vou falar-vos dos meus avós. Os meus avós são as criaturas que mais amo e, na verdade, acho que dito isto não precisaria de dizer mais nada. Por eles tenho um amor incondicional, tal qual fala o São Paulo na Carta aos Coríntios, e sinto-me amada do mesmo modo. (Quer-me parecer que serão as únicas pessoas com quem partilharei este tipo de amor).

Nunca vivi permanentemente com eles, a não ser nos longos meses de férias de Verão e na altura da Páscoa e do Natal. Eles vivem em Trás-os-Montes e eu sempre vivi afastada deles umas quantas centenas de quilómetros. No entanto isso não impediu que se criasse este laço, muito devido à Sabedoria da minha avó.

A minha avó, agora com a singela idade de 82 anos, é Sábia. Alguns dizem que sou parecida com ela, no feitio, mas eu digo-vos que não é verdade. Seria afortunada, eu, se tivesse uma infinitésima parte da Sabedoria, Classe e Elegância desta minha avó. Não, não sou nada como ela.

A minha avó é a mais velha de três irmãos e, nascida numa aldeia e filha de gente sem possibilidades monetárias, cedo começou a trabalhar para ajudar a criar os irmãos. Assim ela foi criada (e também criada de servir) para ajudar. Na verdade é isso que ela faz até hoje, anda sempre a ajudar alguém. Ainda nova foi para Lisboa e serviu em várias casas. Durante esse tempo namorou com o meu avô (que também filho de gente de parcas posses) estava na marinha. Desse tempo guardam poucas fotografias (que isso era um luxo) mas em que pareciam duas estrelas de cinema (O meu avô meteria qualquer Brad Pitt, George Clooney ou qualquer outro denominado Sex Symbol actual num chinelo) e histórias deliciosas que a minha avô ainda hoje conta e que eu não me canso de ouvir. (A minha avó é uma excelente contadora de histórias, é uma delícia ouvi-la horas a fio, mesmo já conhecendo o final de todas as histórias) Na última casa onde serviu, o patrão propôs-lhe comprar um "carro de praça" para o meu avô conduzir e assim ficariam os dois a trabalhar para os mesmos patrões. A minha avó nunca chegou a falar desta proposta ao meu avô, achava que ele ainda podia matar alguém com o "carro de praça".
O meu avô, por outro lado, disse-lhe que casariam e voltariam para Lisboa. Nunca aconteceu e para sempre ficaram em Trás-os-Montes, terra que os viu nascer.

A minha avó, três anos mais velha, e o meu avô casaram-se tinha ela 27 anos (não propriamente nova para a época) e já lá vão 55 anos deste casamento.

O meu avô quis emigrar, mas precisava na altura que a minha avó lhe assinasse os papéis, ela nunca o permitiu. Diz ela -ainda hoje- "só tinha medo que o vento mo levasse".

Fizeram muitas coisas ao longo da vida, maioritariamente impulsionadas pela minha avó, foram vendedores ambulantes, tiveram um café (a minha avó queria um talho, mas o meu avô gostava de ter um café)...

Em trinta anos da minha existência são raras as memórias de discussões entre os dois a que eu tenha assistido (o que não quer dizer que não as houvesse), e mesmo nessas nunca me lembro que existissem faltas de respeito. O meu avô canta fado para a minha avó e, também nessas alturas, olha-a como se tivesse acabado de se apaixonar por ela.

Ele, devido a um problema de saúde, há quatro anos ficou numa cama, quase sem falar e sem se mexer. Hoje anda só com a ajuda de uma bengala, continua a trabalhar numa horta e tem uma "carpintaria" onde se entretem. Muito disso o deve à minha avó, que o fez levantar da cama, que lhe enxugou as lágrimas, que dançava para que ele não se deixasse abater. Pouco depois de ele se ter recuperado, foi ela que adoeceu. Chegou a pesar 30 e poucos quilos (antes pesava quase 70Kg), mas está cá para contar a história. Foi buscar forças lá ao "planeta dela". Todos os dias ela se levanta cedo e vai tomar o pequeno almoço ao café da praça. Obviamente leva o pão de casa, para que lhe façam a torrada no café, porque o pão do café não é "lá muito bom". Quando "ralhamos" com ela porque não devia comer isto ou aquilo, porque dá muita comida ao cão, porque não devia trepar aos armários, ela NUNCA discute connosco, diz sempre: "tens razão!" e depois, faz sempre como ela quer. Ambos têm um coração GENEROSO, estão sempre a oferecer alguma coisa a alguém...

Quando eu era miúda a minha avó ia-nos visitar de surpresa! De vez em quando lá aparecia ela, com mil sacos e caixotes, à porta de nossa casa. Hoje sou eu que faço isso, de vez em quando lá lhe apareço à porta, à 1h sem ela estar à espera! (Eu também ando sempre com um monte de bagulhos...)

Quando há uns anos tive que escrever um manuscrito, os meus agradecimentos terminavam assim:

"Um agradecimento muito especial aos meus avós (Aida e José) porque sempre foram, são e serão, um colo bom onde repousar e um exemplo de vida e dignidade que gostaria de ser capaz de transpor para a minha própria vida."

E, ao fim e ao cabo, é isso.

6 comentários:

Xu 27 de novembro de 2008 às 17:23  

Esse amor é contagiante e so n chego a sentir ciumes pq felizmente vivo uma realidade mt identica á tua. Tb amo os meus avós e também deles tenho mtas historias e ouvi e ouço mtas historias. Deste-me vontade de estar agora com os meus avós mas como n posso, vou-lhes ligar. Parabéns pelos avós q tens. Uns avós assim só podiam gerar uma neta como tu: Infinitamente ineskecivel!

Sofia 27 de novembro de 2008 às 21:38  

Recebi esta mensagem sobre a definição de Avó e lembrei-me logo da minha Bisa Albertina. Ela encaixa muito nesta definição. Nunca me disse "Despacha-te" e contou-me a história do "Lobo mau e dos 7 cabritinhos" vezes sem conta com todos os pormenores e sem preças, A qual eu ouvia tantas vezes quantas ela contasse... Era tão bom. Era tão bom quando estava de férias e a minha Bisa Albertina pacientemente esperava que a emissão da televisão terminasse para ouvirmos o hino nacional de mão no peito e em pé "porque é para ser ouvido com muito respeito." Quando em Maio via-mos a procissão das velas em Fátima e chorava-mos as duas no Adeus à nossa Senhora como se ela se fosse embora e nunca mais voltasse.
Mas sinto-me reconfortada, quando me lembro que um dia, antes de dormirmos, lhe perguntei se ela ia morrer primeiro que eu e ela me respondeu "Claro que sim." e eu, com imenso medo que a resposta dela fosse outra, descansei e pedi-lhe já com a lágrima no olhar, "Tomas conta de mim lá do Céu?" e ela respondeu prontamente "Claro que sim!" e abraçou-me, com aquele abraço que só ela sabia dar que tinha aquele tilintar das meda-lhas que trazia ao peito.

Tenho pena que a minhas filhas não tenham uma avó destas, sim, porque as avós de hoje e as bisas de hoje ainda são muito ocupadas. Sim porque têm que trabalhar, têm televisão e computador... Não é uma critica, mas um desabafo... Já nem as avós de hoje são iguais.
TENHO SAUDADES TUAS BISA ALBERTINA. OBRIGADO POR TERES AJUDADO A FORMAR A MINHA PERSONALIDADE.
GOSTAVA QUE AS MINHAS MENINAS E TODOS OS MENINOS DO MUNDO TIVESSEM UMA BISA ALBERTINA PARA SEREM UMA AVÓ!

Mãe Sisa 27 de novembro de 2008 às 23:18  

Obrigado por me fazeres chorar baba e ranho (o que vale é q os meus homens já estão a dormir e ninguém vê!!!)
Bem... a minha avó não é assim, nem nunca o foi. Infelizmente aquela que o seria, com toda a certeza, foi para Aquele sítio melhor quando eu tinha apenas 2 anos e meio e no entanto lembro-me dela como se tivesse sido ontem!

o que me descansa o coração é que, com a graça de Deus, o meu filho tem A Avó.

Mary Claude 28 de novembro de 2008 às 11:07  

Não era possível deixar de sentir o quanto sei da verdade nestas tuas palavras... porque te conheço e os conheço a eles! E ainda bem, porque são a nossa família, lá naquele nosso cantinho.
E que és uma sortuda por ainda os teres na tua vida... os meus avós fazem apenas parte da minha história, do meu coração e muita saudade tenho eu dos tempos em que ainda fazim parte do mundo dos vivos...
Ainda bem que escreveste este post, os avós merecem!
bj grande!

MC 28 de novembro de 2008 às 21:48  

Quem acabou a chorar e a fungar fui eu.. Tenho tantas saudades da minha avó materna que era tão doce e meiga.. já la vão 3 anos e meio e tem dias que parece que foi ontem e outros que parece que foi há uma eternidade.. Hoje moro com o meu avô e muitas vezes ao jantar lembramo-nos de tantas pequenas enormes coisas como a mania que ela tinha de endireitar as franjas do "napron" (se é que se escreve assim) quando acabamos de levantar a mesa.. enfim as pessoas vão mas apenas fisicamente, enquanto viverem no nosso coração estão sempre connosco!

luís.r 29 de novembro de 2008 às 17:09  

Foi com os meus que aprendi como se perde para sempre alguém que amamos. Mas é a foto da minha avózinha que ainda hoje tenho na minha secetária. Saudade, muita saudade.

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