"Minha querida piquenina. Sei pouco do que andas a fazer e por ondes
andas, mas pareces-me feliz. (...)
Conta-me coisas tuas e que segredos descobriste tu para atingires esse
aparente estado de graça. E se for um segredo daqueles que resultam
mesmo vou ficar puto por não o teres partilhado."
... Se há coisa que aprendi é
que não podemos planear o futuro porque a vida muda num segundo. E isso todos,
na verdade, sabemos mas viver com essa consciência no dia-a-dia foi algo que
ganhei. Por isso stresso-me menos, angustio-me menos, sofro menos. Tenho dias
maus como toda a gente mas aí agarro-me aos pequenos prazeres e felicidades que
descobri e que cultivo. Tenho uma situação profissional muito instável, ou
vivia angustiada com isso ou optava por tirar o melhor partido da situação e,
agora, a todos os níveis é isso que tento fazer. Não espero nada de ninguém,
antes pelo contrário e por isso é uma maravilha quando alguma coisa boa acontece
(como esta mensagem, hoje). Do mau tiro o bom. Não faço fretes e, se por um
acaso tenho que fazer algum tiro a lição que isso me der. Quando um dia corre
muito mal, à noite tiro prazer de um copo de vinho, de um telefonema à minha
avó. Deixei de fazer contas e de me angustiar com o facto de um dia poder não
ter dinheiro. Vivo com o que tenho, com cabeça tronco e membros, e se um dia me
deparar com essa situação logo me preocuparei. Aceitei que há coisas que não
vou ser na vida, e outras que não irei concretizar. Ajudo quem me pede ajuda e
até aqueles que não me pedem. Desliguei-me da igreja e, até certo ponto, de
Deus. Nas dificuldades conto comigo e nas bençãos agradeço a algo que às vezes
sinto que - eventualmente - anda por aí. Se uma companhia me faz mal à
existência (porque só vive de dizer mal e de reclamar) afasto-me, não deixo que
me aluguem a alma para despejarem o seu caixote do lixo, dia após dia. Estou cá
para os amigos, mas dou-me o direito de não estar sempre bem. Vivo de pequenos
nadas e de pequenos prazeres. O gato que se enrosca a mim e ronrona. O sol e o
calor nas costas e se, por acaso, chove danço à chuva. Rio muito e gargalho
ainda mais, ainda que isso incomode as pessoas e que elas estejam sempre a
tecer comentários. Descobri (alguns) os meus limites. Sei que sou razoavelmente
boa nalgumas coisas, medíocre noutras. Assumo que não sei, assumo as
dificuldades. Evito os conflitos, aprendi a calar quando sei que ninguém vai
ouvir. Não fujo deles, quando entendo que são necessários. Percebi que posso
fazer tudo certo e, mesmo assim, não ser recompensada. Por isso, em algumas
situações também não me sinto obrigada a "fazer tudo certo". Dou cada vez
mais valor, à minha mãe, à minha avó, ao meu pai... do meu avô sinto muita
falta, mas sei que enquanto ele esteve por cá eu fiz tudo o que podia. Vivi
muitos bons momentos com ele que recordo com grande intensidade e amor. Vivi
muitas coisas boas no passado e muitas coisas más. Não vivo agarrada a
nenhumas. Todos os dias tento ser um bocadinho melhor como pessoa. Às vezes
falho redondamente. Tenho umas frases coladas na parede da casa-de-banho: "Hoje, apenas hoje serei feliz" do João XXIII; "Tudo tem a sua
ocasião própria e há tempo para todo o propósito debaixo do céu" do
Eclesíastes; "Je suis comme je suis je suis faite comme ça, quand j'ai
envie de rire oui je ris aux éclats" do Prévert e "Quando nada é certo,
tudo é possível" da Margaret Crabble
Há dias em que isto tudo falha e, nesses dias, choro, morro e no outro dia
renasço de novo e tento outra vez. Levo-me pouco a sério. Não faço dieta.
Dou-me várias vezes o prazer de não cumprir um dever. Faço surpresas, escrevo
cartas. Convido pessoas para virem comer comigo. Não deixo nenhum elogio por
fazer. Digo mais bem, e elogio mais, do que crítico. Não me interesso pela vida
das pessoas a não ser que elas a queiram partilhar comigo. A curiosidade, pela
curiosidade não me importa. Encerrei capítulos na minha vida. Deixei pessoas.
De vez em quando vou fazer uma massagem. Quando tenho de fazer alguma tarefa
doméstica que odeio, ponho uma música boa a tocar e não passo mais de 1h a
fazê-la. Durmo sestas. Planeio pouco. Executo mais. E é isto e, se calhar outro
tanto que não sei identificar. Fico feliz com mensagens inesperadas como esta
tua, hoje. E isso faz-me sentir um pouco de eternidade.
Respondi à pergunta, que não foi exactamente feita?