Resisti muito a escrever este post, apesar de morrer de vontade de o fazer. Entre muitas razões porque sabia que começaria e acabaria da mesma maneira, lavada em lágrimas, a fungar e rodeada de um monte de lenços descartáveis.
Só de pensar em começar a escrevê-lo me deixava com os olhos húmidos, mas decidi que "não era homem, não era nada" se não ganhasse coragem e deixasse as palavras escorregarem do coração para os dedos.
O título não deixa dúvidas, vou falar-vos dos meus avós. Os meus avós são as criaturas que mais amo e, na verdade, acho que dito isto não precisaria de dizer mais nada. Por eles tenho um amor incondicional, tal qual fala o São Paulo na Carta aos Coríntios, e sinto-me amada do mesmo modo. (Quer-me parecer que serão as únicas pessoas com quem partilharei este tipo de amor).
Nunca vivi permanentemente com eles, a não ser nos longos meses de férias de Verão e na altura da Páscoa e do Natal. Eles vivem em Trás-os-Montes e eu sempre vivi afastada deles umas quantas centenas de quilómetros. No entanto isso não impediu que se criasse este laço, muito devido à Sabedoria da minha avó.
A minha avó, agora com a singela idade de 82 anos, é Sábia. Alguns dizem que sou parecida com ela, no feitio, mas eu digo-vos que não é verdade. Seria afortunada, eu, se tivesse uma infinitésima parte da Sabedoria, Classe e Elegância desta minha avó. Não, não sou nada como ela.
A minha avó é a mais velha de três irmãos e, nascida numa aldeia e filha de gente sem possibilidades monetárias, cedo começou a trabalhar para ajudar a criar os irmãos. Assim ela foi criada (e também criada de servir) para ajudar. Na verdade é isso que ela faz até hoje, anda sempre a ajudar alguém. Ainda nova foi para Lisboa e serviu em várias casas. Durante esse tempo namorou com o meu avô (que também filho de gente de parcas posses) estava na marinha. Desse tempo guardam poucas fotografias (que isso era um luxo) mas em que pareciam duas estrelas de cinema (O meu avô meteria qualquer Brad Pitt, George Clooney ou qualquer outro denominado Sex Symbol actual num chinelo) e histórias deliciosas que a minha avô ainda hoje conta e que eu não me canso de ouvir. (A minha avó é uma excelente contadora de histórias, é uma delícia ouvi-la horas a fio, mesmo já conhecendo o final de todas as histórias) Na última casa onde serviu, o patrão propôs-lhe comprar um "carro de praça" para o meu avô conduzir e assim ficariam os dois a trabalhar para os mesmos patrões. A minha avó nunca chegou a falar desta proposta ao meu avô, achava que ele ainda podia matar alguém com o "carro de praça".
O meu avô, por outro lado, disse-lhe que casariam e voltariam para Lisboa. Nunca aconteceu e para sempre ficaram em Trás-os-Montes, terra que os viu nascer.
A minha avó, três anos mais velha, e o meu avô casaram-se tinha ela 27 anos (não propriamente nova para a época) e já lá vão 55 anos deste casamento.
O meu avô quis emigrar, mas precisava na altura que a minha avó lhe assinasse os papéis, ela nunca o permitiu. Diz ela -ainda hoje- "só tinha medo que o vento mo levasse".
Fizeram muitas coisas ao longo da vida, maioritariamente impulsionadas pela minha avó, foram vendedores ambulantes, tiveram um café (a minha avó queria um talho, mas o meu avô gostava de ter um café)...
Em trinta anos da minha existência são raras as memórias de discussões entre os dois a que eu tenha assistido (o que não quer dizer que não as houvesse), e mesmo nessas nunca me lembro que existissem faltas de respeito. O meu avô canta fado para a minha avó e, também nessas alturas, olha-a como se tivesse acabado de se apaixonar por ela.
Ele, devido a um problema de saúde, há quatro anos ficou numa cama, quase sem falar e sem se mexer. Hoje anda só com a ajuda de uma bengala, continua a trabalhar numa horta e tem uma "carpintaria" onde se entretem. Muito disso o deve à minha avó, que o fez levantar da cama, que lhe enxugou as lágrimas, que dançava para que ele não se deixasse abater. Pouco depois de ele se ter recuperado, foi ela que adoeceu. Chegou a pesar 30 e poucos quilos (antes pesava quase 70Kg), mas está cá para contar a história. Foi buscar forças lá ao "planeta dela". Todos os dias ela se levanta cedo e vai tomar o pequeno almoço ao café da praça. Obviamente leva o pão de casa, para que lhe façam a torrada no café, porque o pão do café não é "lá muito bom". Quando "ralhamos" com ela porque não devia comer isto ou aquilo, porque dá muita comida ao cão, porque não devia trepar aos armários, ela NUNCA discute connosco, diz sempre: "tens razão!" e depois, faz sempre como ela quer. Ambos têm um coração GENEROSO, estão sempre a oferecer alguma coisa a alguém...
Quando eu era miúda a minha avó ia-nos visitar de surpresa! De vez em quando lá aparecia ela, com mil sacos e caixotes, à porta de nossa casa. Hoje sou eu que faço isso, de vez em quando lá lhe apareço à porta, à 1h sem ela estar à espera! (Eu também ando sempre com um monte de bagulhos...)
Quando há uns anos tive que escrever um manuscrito, os meus agradecimentos terminavam assim:
"Um agradecimento muito especial aos meus avós (Aida e José) porque sempre foram, são e serão, um colo bom onde repousar e um exemplo de vida e dignidade que gostaria de ser capaz de transpor para a minha própria vida."
E, ao fim e ao cabo, é isso.